quinta-feira, 4 de junho de 2009

Carta ao amigo acidental


Tudo começou de forma inesperada. Mas a não ser que você leia o futuro ou consiga sonhar e conquistar as coisas exatamente como planejou tudo é mesmo surreal. A vida é assim um passo em busca do horizonte, um passo dado numa noite fria coberta de névoa.

Assim, aprendi a gostar que as coisas dessem um pouco errado. É quando erramos que nos surge coisas belas. Pois a perfeição é algo tão maravilhoso que não pode ser vista ou tocada pelo indigno ser humano. Diante da perfeição nos cegamos... É ainda mais forte que olhar diretamente para o sol. Por isso, a perfeição não nos serve e o imperfeito é o melhor deleite possível.

O erro que nos uniu poderia não importar, mas se tem curiosidade, o erro foi ser péssima com uma dobradura de balão. Eu, ali com uma dobradura pela metade, imperfeita e diante de mim um rapaz que eu mal notara na sala de aula, com uma metade de balão toda certinha. Metida à espertinha, com simpatia malandra sugeri que uníssemos nossas metades. Não ficaria perfeita. Mas, aquela professora de educação artística não era muito amigável e eu disse ao rapaz que tivéramos sorte em juntarmos nossas metades. Irônico ele disse que não precisava da minha metade. “Sou um aluno exemplar”. Com o orgulho ferido, eu para não permitir a mim mesma que alguém me tratasse daquela forma sem que eu me defendesse da humilhação, falava em voz alta ‘olha o aluno exemplar’. Alguém riu da alcunha e aquele foi o suficiente pra me sentir vingada. E eu teria declarado guerra eternamente se não tivesse sentado perto dele que conversava com uma amiga minha. Lá estava ele falando sobre algo que me interessava. Falar sobre meus interesses é mais prazeroso para mim do que espetar alguém com frases cínicas. Começou ai uma amizade que valeu o ano e continuou valendo a minha vida.

As associações são coisas incríveis. Numa fase da minha vida onde as coisas eram melancolia poética com nuances de esperança, onde a tristeza era mais sinônimo de beleza do que de infelicidade, eu encontrei um amigo para falar sobre a vida, as vidas. Associei esta visão poética da juventude a ele. Para mim, era como protagonizar nosso próprio “antes do amanhecer”.

Aquela pessoa que era eu naquela fase, alguém espontânea , sincera, extrovertida de alma e introvertida de ofício, não tinha com quem filosafar a não ser consigo mesma debruçada na cama com o olhar na tela se apaixonando pela sétima arte. Mas uma pessoa surgiu para filosofar comigo. Contava-me histórias fascinantes, jogados no tapete da sala: tapete voador.

Associação é uma coisa incrível. Cada música, poesia, pintura, sacada. Cada coisa que consegue ir além da superfície, cada coisa que atinge minha camada mais profunda do coração, da mente ou da alma está intimamente associada a ele, meu amigo acidental.

Eu posso não vê-lo exatamente como é, mas não preciso mudar a forma como o vejo para aceitá-lo. Eu o vejo como meu anjo de doçura crua. Eu o amo na verdade. E na verdade reside o medo. Não sou tão nobre para dar e não querer nada em troca. Se lhe dou meus mais belos pensamentos, gostaria do mesmo em troca. Mas a verdade que temo é a de dividir a única beleza que importa com o seu fantasma e saber que se ele é meu oceano, não passo de uma lagoa. Mas, admito que vale a pena ter seu fantasma assombrando meus pensamentos. Ele me faz companhia enquanto sobrevôo o mundo com óculos psicodélicos.

Meu amigo acidental, a confissão liberta? Espero que não. A confissão tira o peso das coisas? Acho que sim, mas, neste caso quero que não fiquem leves....temo confessar que sempre penso em você. Ou será que apenas emprestei sua imagem, seu cheiro, suas frases para colorir com minha própria tinta e usar sua pintura para enfeitar meus dias? Mas, se for isso sua pintura jamais será meramente decorativa. Sua pintura é bela na imperfeição, sua pintura é surreal, sua pintura é real...é um fantasma.

Seu fantasma está aqui enquanto as palavras surgem. Seu fanstama já leu, já julgou e já esqueceu tudo... Sem fantasiar, viciada em realismo... Vejo você achando ligeiramente interessante. Só. Uma declaração de amor, amor a sua alma, pode ser algo que não te importe o tanto quanto eu gostaria. Minha mente divaga, minha mente julga. Minhas personalidades, todas as presentes. Uma escreve algo e diz que são palavras que passarão quase em branco, outra personalidade vibra com o ato e a coragem da confissão, outra é só razão e não dá razão e ridiculariza minha atitude..e etc.

Esta carta pode se autodestruir depois de lida. Mas enquanto esta sendo escrita ela grita....grita que alguém ama você...amor inominável...amor não romântico, embora romântico....ok.Acho que sei....amo seu fantasma, seu passado...temo seu agora. Ok. É minha alma viajante, feliz aprendiz que se declara.....

Esta carta ficou engraçada? Esta carta foi uma maneira de tentar por em palavras a poesia que você representa para mim. Uma poesia tão bonita que meu coração se preenche. E que outra palavra senão amor se tem para algo como isso? Mas não é um amor carnal, é muito melhor, é muito mais complexo.

Não consigo te invejar, te odiar, só consigo te admirar e sentir orgulho de você. Assim sinto orgulho de mim mesma, pois não sou tão nobre. Orgulho do meu bom julgamento, do meu bom gosto em escolhê-lo como meu fanstama... Mas não há cobranças ou idealismos. Ainda que você se torne algo que não sonhou ou algo ordinário...ainda assim para mim você sempre será minha pintura surrealista, meu fanstama adorável, meu amigo acidental, minha droga, amor da minha alma.

Coisa mais esquisita de confessar. Carta mais estranha. As palavras ditas nunca saem como deveriam e nunca transmitem as coisas da forma desejada. Se após você ler não sobrar uma sensação boa, esqueça as palavras escritas. Se a carta não causar um efeito bom ela falhou em sua missão e então deverá ser ignorada.

Revelação: não lhe disse que coisa mais incrível é a associação? Eis o que iniciou esta carta, uma associação....Uma música penetrou minha alma, coisas assim estão ligadas a você...e alimento estas associações porque se não fizer isto terei que criar novas associações mas, nenhuma conseguiria ser tão bonita.....

Elephant gun - Beirut


by Daniella Dal'Comune


2 comentários:

Carolina Filipaki disse...

Dani!
Não lembro se falei ou apenas pensei que adorei ver comentário seu no meu blog!! Fico tão feliz!!!
E quanto ao seu, que poético!!"Onde a tristeza era mais sinônimo de beleza do que de infelicidade". Acho que em frases como essas moram a grandeza de um autor, pois todos, em algum momento da vida, se identificam com ela! Te desejo inspiração para continuar! :-)
Eu agora também tenho um blog só meu, além dos mulheres... www.historiasdacarolchinha.blogspot.com
Bjs

Daniella Dal'Comune disse...

Já que ele não comenta. eu copio do msn memso. Para eternizar.
"mas digo que ela(a carta) da voltas como uma improvisação de jazz
*muito boa
*e muito obrigado pelas palavras que vc direciona à mim
*saiba que a reciproca é verdadeira
*embora eu não comente no teu blog
*não externalize certos assuntos
*vc é meu fantasma doce
*anda ao meu lado
*quando entro em livrarias
*vejo um filme classico ou independente
*e principalmente quando ouço elephant gun"